sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

NOTAS SOLTAS SOBRE OS CONCHEIROS DE MUGE


Teve lugar no Museu Geológico de Portugal (antigo Convento de Nossa Senhora de Jesus), em Lisboa, um Encontro sobre os Concheiros de Muge, com o sub-tema: "Analisando o passado".
Em Portugal o mesolítico (período da pré-história entre o paleolítico e o neolítico) espalha-se pelos vales do Tejo e do Sado.
Há cerca de 10.000 anos, estas comunidades - numa altura em que ainda não se descobrira a agricultura, nem se domesticavam animais - viviam da caça, da pesca e do que conseguiam recolher nos campos.
Os Concheiros não são mais do que a acumulação num local de lixo, detritos e outros testemunhos da vida das comunidades mesolíticas que durante séculos viveram ou passaram naqueles locais ricos em alimentos.
A importância dos Concheiros resulta em grande medida de permitirem o estudo da evolução da vida nesse período, pois nas escavações feitas (e em curso) foi possível verificar, sob as suas camadas arenosas de base, evidências da existência de "lareiras" (locais onde se fazia o fogo) e de "buracos de poste" o que indicia a presença de pequenas estruturas. A mais precisa datação feita no Cabeço da Amoreira (Muge) permite estimar que entre a base e o topo do Concheiro distam cerca de 500 anos. Crê-se que estes "depósitos" foram ulteriormente reabertos para efectuar enterramentos, tendo já sido recolhidos dos Concheiros de Muge mais de 200 esqueletos.

(Cabeço da Amoreira)

A relevância arqueológica dos Concheiros de Muge (descobertos em 1863) deve-se ao elevado número de esqueletos descobertos e à quantidade de material encontrado, e é mundialmente conhecida desde que o local foi visitado por arqueólogos que, em 1880, participavam no seu Congresso Mundial.
Os Concheiros, elevações no terreno em resultado da deposição de detritos produzidos pela presença humana, têm cerca de 40 a 50 m de diâmtero. De entre os que existem, permitam-me destaque:

- Concelho de Almeirim
  • Vale da Fonte Moça 1 (destruído pela plantação de vinha);
  • Vale da Fonte Moça 2 (parcialmente destruído).

- Concelho de Salvaterra de Magos

  • Vale da Ribeira de Magos (Paúl de Magos) - Cova da Onça e Monte dos Ossos, Cabeço dos Morros (destruição parcial, restam aproximadamente 400 m2), Magos de Cima, Magos de Baixo e Barragem (estes últimos desapareceram devido a obras hidráulicas);
  • Vale da Ribeira de Muge - Moita do Sebastião (restam fragmentos), Cabeço da Arruda e Cabeço da Amoreira.

Com escavações feitas na Moita do Sebastião (1950), onde se encontraram 5 ou 6 crâneos humanos, o Professor Mendes Correia, um dos mais importantes arqueologos portugueses que leccionava na Universidade do Porto, concluiu - ao contrário do que anos antes chegou a afirmar - que o Homem de Muge se integrava no Homem Mediterrâneo e não no Africano.
Mais recentemente, e com vista a determinar a dieta daquelas comunidades, analisaram-se os ossos de esqueletos exumados, pois os ossos cativam nutrientes, registam o tipo de alimentos ingeridos nos últimos 10 anos de vida.
A comunidade mesolítica do Sado recorria mais a uma dieta vegetal que a de Muge. Neste caso a dieta era diversificada porque baseada em alimentos marinhos e terrestres (carne e vegetal). Nas comunidades seguintes (neolítico) diminui a dieta marinha e aumenta a terrestre (surge a agricultura).
Biólogos que analisaram materiais recolhidos em escavações mais antigas efectuadas nos séculos XIX e XX, concluiram que a comunidade de caçadores recolectores de Muge, caçava uma grande variedade de animais - coelhos, veados, javalis, linces ibéricos, raposas e cães (selvagens). Chegaram ainda à conclusão, pelos dentes encontrados de javalis e veados, que face à forte pressão do consumo, a sua caça era cada vez mais rara para o final do período. Também observaram que ao longo do tempo foi diminuindo o tamanho das conchas, pois a procura humana não lhes permitia tanto tempo de desenvolvimento.


Foi encontrado nos Concheiros um esqueleto de um cão com cerca de 8.000 anos (a 1ª espécie a ser domesticada), que é o mais antigo que já se encontrou em Portugal.
Em 2008 reiniciaram-se as escavações, uma área de 12 X 12 m, no Cabeço da Amoreira, projecto liderado pelo Professor Nuno Bicho (Universidade do Algarve), que conta com o financiamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia e que se espera possa vir a ser substancialmente apoiado por universidade britânica. A Casa Cadaval é parceira do projecto, a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, até este momento, não foi referenciada.
O trabalho em curso é de excelência quer pelo rigor da datação como pela minúcia com que evoluem as escavações. Estas estão a ser cartografadas com o recurso a estações totais. Em três anos apenas avançaram 15 cm em profundidade.
Já foram encontrados fragmentos cerâmicos, vértebras de peixes, fragmentos de mandíbulas, conchas, conchas perfuradas (adornos), pinchas de caranguejo, etc. Estes novos trabalhos vão tentar obter mais informação sobre a estrutura social no tempo do mesolítico. O estudo dos enterramentos dos corpos pode fornecer informação sobre clãs e linhagens.
Junto a este Concheiro em observação já foram encontrados também vestígios neolíticos.

(O facto de este post resultar de apontamentos que tirei durante todo o dia do Encontro, não garante o seu rigor científico, até porque não tenho formação na área. Peço desculpa por qualquer imprecisão ou incorrecção)

3 comentários:

  1. Depois de tantos anos ao abandono, agora redescobre-se a importancia dos concheiros

    ResponderEliminar
  2. O povoado romano localizado no Porto do Sabugueiro,em Muge, é também uma grande estação arqueológica a ter em conta!

    ResponderEliminar
  3. Eu encontrei lá um machado Acheulense em quartzito que parece ter sido transportado pelo rio e não de origem local já que se encontrava bastante rolado. A identificação foi feita no local pelo Prof. Georges Zbyszewski.

    ResponderEliminar