domingo, 2 de setembro de 2012

DESISTIR OU APOSTAR NAS RENOVÁVEIS


Creio já ter ouvido alguns economistas afirmar que Portugal não tem uma estratégia, um modelo de desenvolvimento económico há várias décadas. Não tem havido a visão para estabelecer um caminho que permita irmos para além da prestação de serviços.
O exemplo que hoje trago corrobora de algum modo este facto. Há poucos anos apostámos nas energias renováveis, quisemos estar na linha da frente, ser pioneiros. Pareceu-me na altura ser um mercado com muito potencial de desenvolvimento, com expectativas de garantir muitos postos de trabalho, em grande medida qualificados, ainda mais fazendo-o aliados à sustentabilidade do planeta e buscando um novo paradigma energético.
Eis que de repente tudo é posto em causa, a crise invadiu as nossas vidas e aquilo que parecia ser uma séria oportunidade de desenvolvimento tecnológico e de investigação científica tem de "abrandar" senão mesmo de parar.
Estamos perante uma interrupção ou um retrocesso?! Temo bem que quando (e se) voltarmos a trilhar aquele percurso já podemos estar atrasados em relação a outros países e isso pode fazer toda a diferença!...


Era uma vez um País que sonhava com a economia verde. Sonhava e fazia: em 2010, Portugal chegou a ser o quinto país europeu com maior utilização de energias renováveis, com 25% do consumo a ter proveniência em fontes ambientalmente "limpas". A aposta tinha começado nos anos 90. A crise veio mudar tudo? É verdade que não há dinheiro para nada e a energia não escapa aos cortes de subsídios, à falta de financiamento bancário, às falências de empresas... Mas há quem aponte o dedo às falhas na "vontade política" e ao discurso "antirrenováveis".
"Criou-se a ideia que o Governo está contra a aposta nas renováveis. Bem pelo contrário. A aposta é para manter, mas não sem olhar a custos, pois estávamos a passar os encargos para o consumidor final", reforça Artur Trindade, secretário de Estado da Energia. Os custos de que fala o governante, mais conhecidos pela expressão "rendas excessivas", são, no fundo, subsídios estatais aos produtores de energia renováveis e não só, que a troika mandou cortar. O Executivo pôs em marcha a medida, mas ficou muito aquém do pretendido, segundo a própria Comissão Europeia. Mesmo assim, os 1,8 mil milhões de euros que o Governo quer poupar até 2020 (ver Hídrica: uma questão de rendas) já deixaram algumas empresas produtoras em pé de guerra.
No entanto, sublinham os ambientalistas, convém não confundir energias renováveis com subsídios excessivos. "Pago mais na fatura elétrica pela renda de garantia de potência do que pelas renováveis", garante Francisco Ferreira, ex-presidente da Quercus. "Estas pesam um terço no agravamento das faturas. Mas têm benefícios ambientais que devem ser contabilizados", acrescenta.
O mundo há muito que se deu conta desses benefícios ambientais e económicos. O verde é um mercado, convém não esquecer, cria mais-valias industriais e gera emprego. A Alemanha acompanhou a decisão de encerrar todas as suas centrais nucleares com um programa de 300 mil milhões de euros de investimento nas renováveis. O objetivo: chegar a um consumo de 80% de energia limpa em 2050.
"A Siemens está a pôr fortunas no eólico é já a segunda empresa do mundo em plataformas offshore [colocadas no mar], tendo abandonado o nuclear. Agora foi a General Electric", descreve Carlos Pimenta, ex-secretário de Estado do Ambiente em vários governos do PSD.


 EMPREGOS EM RISCO

Mas, em Portugal, tudo é "incerteza", queixam-se algumas empresas do setor. "Esta indefinição coloca em risco 130 mil empregos diretos e indiretos nas renováveis", afirma Aníbal Fernandes, presidente do consórcio ENEOP, de energia eólica. "Cuidado quando se corta na gordura, para não cortar também o músculo", avisa.
Há poucos dias, o Partido Socialista apresentou um conjunto de propostas para o setor energético, ao mesmo tempo que acusava o Governo de fracasso nesta área. "O falhanço da política energética é um dos fatores que explicam o aumento desmesurado do desemprego em Portugal", afirmou Carlos Zorrinho, líder parlamentar do PS.
Tudo começou em fevereiro, quando um decreto-lei veio suspender todas as novas atribuições de licenciamento de potência até 2014. A suspensão, além de travar o desenvolvimento do mercado interno (para muitas empresas produtoras de tecnologia resta a exportação), pode pôr em causa, segundo a APREN Associação de Energias Renováveis, a meta, estabelecida a nível europeu, de chegar a 2020 com 31% de consumo proveniente de energias renováveis (sendo que desses 31%, a fatia da eletricidade é de 55,3%, a dos transportes de 10% e a do aquecimento e arrefecimento de 30,6 por cento). São objetivos complicados, especialmente nos transportes, com a queda abrupta das vendas de carros elétricos, a perda do investimento da Nissan em Portugal e a reavaliação de toda a rede Mobi.E.
No fim, e apesar da crise, fica o otimismo de Luís Manuel, administrador-executivo da EDP Inovação, quanto à capacidade nacional para criar valor. "Vemos uma onda de empreendedorismo em inovação, com a criação de start-ups e incubadoras, vemos muitos projetos a emergir e muita gente a arriscar. Virados, claro, para a exportação, pois mesmo quando a economia está boa, o mercado nacional é pequeno", nota.
"O grande problema", contrapõe Carlos Pimenta, "é o financiamento". É que, nas renováveis, o investimento é feito logo à cabeça. "Depois, o sol é de graça", ilustra o ex-governante. Seja como for, conclui, o mercado terá de encontrar forma de dar a volta. "Não há planeta que sobreviva aos combustíveis fósseis!"




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