domingo, 23 de dezembro de 2012

ESTÁ A INTERNET A TORNAR-NOS FÚTEIS? PARECE QUE SIM!


Esta é a opinião de um norte-americano que escreveu um livro sobre este tema. Ainda que possa ser vista como uma janela de oportunidades e de conhecimento, também é verdade que, se mal usada, pode ser um travão ao raciocínio, ao saber-saber. A informação veiculada é fugaz, apressada, imediatista e isso pode contribuir para que as pessoas sejam superficiais e, pior do que isso, sejam mais facilmente manipuladas ou manipuláveis. Vale mais ler o texto!...


A internet está a tornar-nos fúteis. A tese é de Nicholas Carr, norte-americano que se consagrou a analisar o modo como a rede interfere no nosso modo de pensar e o empobrece. As conclusões estão no livro Os Superficiais – o que a internet está a fazer aos nossos cérebros.
E se um dia alguém nos tira da frente o monitor e todo o mundo mágico que nos é apresentado? Se antes era difícil imaginar um mundo sem televisão ou telefone, será concebível vivermos sem estarmos ligados a um computador ou amarrados a um telemóvel?
Mesmo esta pergunta já é mera retórica. Ainda que consideremos ter um ou outro dos aparelhos enunciados, se não estivermos ligados à internet não somos ninguém. Pior: somos um não-ser que vive num limbo que já não existe, o chamado mundo real, que não tem realidade se não estiver na rede.
Se o leitor perdeu tempo a ler este texto até aqui, parabéns. Ou antes, preocupe-se: ainda faz parte de uma ínfima porção de seres humanos que consegue concentrar-se durante muito tempo num só tema. É que a internet, defende o ensaísta Nicholas Carr, está a tornar-nos cada vez mais dispersos e até superficiais. O nosso cérebro vai ter de adaptar-se, defende o autor nesta entrevista que concedeu ao SOL por e-mail .
É verdade que nos estamos a tornar superficiais com a internet?
A net, como a descrevo no livro, encoraja-nos a avaliar muita informação fragmentada, dada em pequenas peças, enquanto estamos sujeitos a muitas interrupções e distracções. Esse modo de pensar é importante e válido. Mas à medida que vamos usando a rede de uma forma mais intensiva e abrangente, começamos a sacrificar outras formas de pensamento.
Quais?
Aquelas que exigem atenção e concentração, que envolvem a contemplação, a reflexão e a introspecção. Como aconteceu com outros media de informação no passado, a net está a impor o que eu designo como a sua própria ‘ética intelectual’ às nossas mentes. Está a alterar o equilíbrio do nosso pensamento.
Porquê?
Nas últimas décadas, neurocientistas, psicólogos e outros investigadores desenvolveram imensos estudos sobre os efeitos mentais do hipertexto, do multimedia, do ‘multitasking’ [desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo], da interrupção e da distracção. A maioria desses estudos aponta para a mesma conclusão: quando estamos online, entramos num ambiente que promove a leitura apressada, um pensamento disperso e precipitado, e uma aprendizagem superficial. É possível pensar de uma forma mais aprofundada quando ‘surfamos’ na net, mas não é este o tipo de pensamento que esta tecnologia encoraja ou recompensa.
Quais são as consequências destas mudanças?
Esta transformação mental tem muitas consequências práticas – para a educação, para a inovação, para a literatura e para as artes, e até para a saúde mental. Um modo de pensar mais contemplativo e atento estimula a criatividade, a empatia, a maturidade e o desenvolvimento de uma personalidade consistente. Podemos ser muito eficientes e produtivos sem essas formas de pensamento, mas tornamo-nos monótonos, menos interessantes e intelectualmente distintos como seres humanos. Também acho que as nossas ideias e decisões tendem a tornar-se mais limitadas se perdermos a riqueza de um pensamento mais profundo e idiossincrático. A longo prazo, à medida que essas mudanças invadirem as esferas da educação, do trabalho e da arte, vão dar nova forma à nossa cultura, tornando-a, receio, menos imaginativa e vibrante.
Faz uma comparação de quase todos os media ao longo da história humana. Diz que quando um novo meio de comunicação aparece, muitos pensam que ele vai levar os media anteriores à extinção. Acha que a internet está a ‘matar’ a imprensa, por exemplo?
A imprensa já estava em declínio antes da chegada da internet, mas é verdade que a leitura de jornais decresceu muito rapidamente nos últimos anos, à medida que as pessoas trocaram estas notícias e outra informação pelo suporte online. Não creio que isto signifique necessariamente o fim dos jornais, mas antes uma reconfiguração deles enquanto meios de comunicação e áreas de negócio.
Chega a dizer que o nosso cérebro está a ficar diferente. E até dá o seu exemplo, pela dificuldade que teve em escrever um livro. Estamos condenados a viver permanentemente online no futuro?
Não me parece que vamos viver ‘permanentemente’ online no futuro. Mas parece-me que a tendência para que a nossa experiência se faça cada vez mais através dos monitores do computador vai continuar. E à medida que isso acontece, os nossos cérebros vão adaptar-se a este novo ambiente. Eu próprio experimentei essas mudanças. Inspirei-me para escrever um livro por ter percebido que, inundado com informação e distracções, estava a perder a minha capacidade de concentração.
Também menciona Marshall McLuhan. Acha que a ‘aldeia global’ defendida por este filósofo da comunicação chegou no nosso tempo?
Acho que uma rede social universal como o Facebook demonstra a emergência de uma espécie de ‘aldeia global’ como McLuhan imaginou. McLuhan acreditava que um aldeia electrónica como esta teria bons e maus efeitos, que ajudaria a juntar pessoas distantes entre si mas também a encorajar o tribalismo. Acho que estamos a ver estes efeitos hoje, quer os bons, quer os maus.
Apesar do domínio do online, nunca houve, como agora, tantos livros publicados. Como se explica isto?
Os negócios ligados aos media continuam dinâmicos, e acho que vão continuar assim. O meu interesse tem a ver com a análise das mudanças no modo como lemos. Acho que é evidente que podemos estar a ler mais hoje do que num passado recente, mas estamos a ler de uma maneira mais superficial.
Acha que as manifestações recentes, como a Primavera Árabe ou a revolta contra as medidas de austeridade na Europa só foram possíveis devido à mobilização pelas redes sociais?
Acho que elas influenciaram estes protestos recentes, mas não me parece que os protestos precisem das redes sociais. As pessoas não tinham problemas em organizar protestos e revoltas muito antes de os computadores aparecerem.
O que há então de novo no modo como as pessoas se juntam para protestar?
Não estudei essa questão.
Também diz que a nossa cultura está a ser destruída, quando escreve: ‘contratem memória externa e a nossa memória vai desaparecer’. Porquê? Não será melhor para a memória ter mais informação?
Não. O processo de formar a memória requer atenção, para a ‘transferir’ da nossa memória a curto prazo para a de longo prazo. Quando somos bombardeados com informação, sofremos aquilo a que os psicólogos chamam ‘sobrecarga cognitiva’. Ou seja, a informação entra e sai da nossa memória a curto prazo tão rapidamente que não somos capazes de a transferir para a de longo prazo e transformá-la em conhecimento. Mais informação pode, por vezes, significar menos conhecimento.

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